Fotos: Vista aérea da construção da Rodovia Transmission Gully na Nova Zelância

Preservar antes que seja tarde

.......Como já é amplamente sabido, qualquer recurso mineral só pode ser extraído em seu local de ocorrência. Sabe-se também que as atividades de exploração mineral, assim como aterros, estações geradoras de eletricidade, estações de tratamento de esgoto e semelhantes, são necessárias, mas impopulares nas localidades onde se instalam. Preocupações em relação ao meio ambiente e possíveis impactos no mercado imobiliário local estão entre algumas das razões para que a população não veja com bons olhos a implantação deste tipo de empreendimento em seu "quintal", gerando o que se conhece por síndrome NIMBY (“not in my backyard”). É, ou ao menos, deveria ser papel das autoridades governamentais declarar seu interesse nessas atividades, garantindo que cada região tenha os serviços que necessita.

.......Obviamente, isso significa tomar decisões impopulares para colocá-los onde sejam convenientes e acessíveis, minimizando conflito com outros usos do solo.

.......Frequentemente vítima da síndrome NIMBY, a atividade de mineração de agregados para construção civil tem sido afastada dos grandes centros urbanos, ocasionando significativos aumentos de custo com o transporte destes materiais até os seus locais de consumo e, em casos extremos, a sua escassez em algumas regiões do mundo. Infelizmente, tal fato tem recebido pouca atenção de governos que parecem se conscientizar do problema apenas na iminência da falta de produto, cujo consumo é diretamente proporcional ao grau de desenvolvimento de qualquer sociedade.

.......Os agregados para construção civil são minerais de baixo valor agregado e cuja utilização se dá em grandes quantidades, o que impõe restrições à distância em que podem ser transportados. Desta forma, garantir que a extração destes recursos ocorra perto do local onde serão utilizados torna-se uma questão essencial para minimizar os impactos econômicos e ambientais causados pelo aumento das distâncias de transporte destes produtos. Apenas para exemplificar o que foi dito, um estudo realizado pela OSSGA (Ontario Stone, Sand & Gravel Association) indicou que se fosse aumentado 1 km de cada viagem para o transporte de agregados em sua localidade anualmente, seriam necessários adicionais 2,5 milhões de combustíveis fósseis, o que representaria uma emissão de cerca de 7.000 toneladas de gases responsáveis pelo efeito estufa.

.......Nas últimas décadas, no entanto, a ausência de um ordenamento territorial adequado e a consequente esterilização de depósitos próximos aos centros de consumo tem feito com que o valor do frete por tonelada de areia e pedra aumente substancialmente mundo afora, passando a representar parte cada vez mais significativa do custo destes produtos em suas mais diversas aplicações. Além disso multiplicam-se os relatos sobre a necessidade de adoção de planos emergenciais visando garantir o abastecimento de agregados para grandes obras de infraestrutura, cuja execução fica ameaçada devido à sua escassez.

.......Segundo o site de notícias da emissora de rádio RNZ, empreiteiras na Nova Zelândia já são confrontadas com a até então improvável necessidade de “importar” areia e brita de outros países, além de serem obrigadas a efetuar reaberturas emergenciais de jazidas desativadas para garantir o abastecimento destes insumos. Em um claro exemplo disso, a emissora citou o caso da construção da rodovia Transmission Gully, próxima à capital do país Wellington, onde minas paralisadas foram reativadas a fim de que a execução do projeto não fosse colocada em risco. Segundo membros da indústria de agregados neozelandesa, o país possui imensa disponibilidade destes recursos minerais, no entanto, o acesso aos mesmos tem ficado cada vez mais difícil na medida que os depósitos destes materiais acabam tendo seu uso vetado por conflitos no uso e ocupação do solo com outras atividades econômicas e restrições ambientais.

.......De acordo com a mesma emissora de rádio, agora, felizmente, as autoridades neozelandesas parecem finalmente ter se conscientizado do problema. A constatação que as jazidas estrategicamente localizadas próximas a centros de consumo não estavam devidamente mapeadas para serem protegidas em futuros planos de zoneamento fez com que houvesse forte movimentação nesta direção. Em 2019, o então ministro de infraestrutura Shane Jones disse ser uma...

“perversidade importar agregados quando o nosso país está repleto desse material (...) a menos que a Lei de Gestão de Recursos especificamente faça uma concessão para a operação contínua de pedreiras, teremos que talvez mudar o sistema, onde estas terão tantos direitos quanto uma espécie de ave em extinção, ou estaremos todos (...) de novo, cavalgando, porque não teremos estradas."

.......No mesmo ano, ele levou a ideia de um inventário nacional de rochas para a próxima Comissão de Infraestrutura, onde a separação dos recursos minerais utilizáveis foi apontada ​​ao Ministro do Meio Ambiente, David Parker, que está revisando a Lei de Gerenciamento de Recursos. Trata-se sem a menor sombra de dúvida de um movimento promissor, ainda que tardio, visando garantir a oferta destes importantes insumos naquele país.

.......De uma forma diversa, antes que o problema ocorrido na Nova Zelândia se tornasse realidade, a província de Ontário no Canadá tratou de endereçar o problema de forma pragmática vendo a disponibilidade de oferta de agregados próxima aos centros de consumo como um assunto de interesse estratégico. Durante os anos 80 e 90, a rápida expansão urbana de áreas dessa localidade fez com que houvesse uma perda significativa de terras produtivas e levou o governo a uma gestão mais ativa do crescimento de suas metrópoles. A partir deste momento, uma série de políticas foram desenvolvidas para “proteger o que é valioso” deste processo de “super desenvolvimento”, mapeando e resguardando sistemas naturais, áreas agrícolas e jazidas de agregados. O resultado disso foi uma sequência de leis e regulamentos, a mais importante delas o Provincial Policy Statement (PPS) de 2005, que estabeleceu as principais diretrizes para uso e ocupação do solo na Província de Ontário. Nela, a exploração destes minerais foi colocada em pé de igualdade com habitação, agricultura, qualidade do ar, patrimônio cultural e cerca de uma dúzia de outras atividades. A partir daí, os depósitos de agregados foram considerados recursos a serem protegidos do "desenvolvimento de atividades que impediriam sua expansão ou uso continuado.”

.......Em 2010, dando continuidade ao objetivo se garantir oferta de agregados de qualidade próximos aos centros de consumo, o ministério de Recursos Naturais de Ontário elaborou um completo estudo sobre a disponibilidade de agregados próximos aos centros urbanos e emitiu uma série de recomendações cobrindo uma enorme gama de tópicos como a elaboração e implementação de um Roadmap estratégico contendo as diretrizes de proteção destes recursos minerais, preservação do meio ambiente, comunicação e pesquisa.

.......Um comitê consultivo também foi criado com participação de membros da indústria, província, municípios e entidades de proteção ao meio ambiente. Ao longo das últimas duas décadas, tal movimento tem se mostrado acertado e necessário. Se considerarmos os planos de crescimento da região metropolitana de Toronto, que hoje consome cerca de 60 milhões de toneladas por ano de agregados, há a necessidade de se garantir a oferta de 1,6 bilhões de toneladas para ampliar e manter a sua infraestrutura urbana, fazendo frente a um aumento populacional de cerca de 3 milhões de pessoas até 2041.

.......As experiências neozelandesa e canadense são dois extremos de uma mesma reta. Ao passo que o primeiro país cedeu às pressões dos diversos grupos contrários à atividade de mineração, não levando em conta a questão da rigidez locacional destes recursos, o segundo nos indica como uma determinada localidade pode abordar de forma integrada e equilibrada o seu ordenamento territorial, garantindo a oferta destes importantes insumos para o desenvolvimento urbano. Torçamos para que este bom exemplo de pró-atividade no planejamento de uso de solo inspire autoridades ao redor do mundo. Trata-se sem sombra de dúvida de um inevitável caminho a ser trilhado em direção ao desenvolvimento e ao progresso de qualquer nação.