Por Francisco de Assis Rodrigues -Setembro, 2022

O poder discricionário quase ilimitado do agente do SISNAMA

.......Antes de abordar a questão indicada no título, qual seja, a discricionariedade do agente do SISNAMA, é necessário para fins didáticos explicitar o que é SISNAMA e qual a sua origem.

.......O legislador brasileiro, quis no início dos anos 80, criar uma norma que fosse capaz de disciplinar e balizar o entendimento sobre as formas de uso dos recursos ambientais no território brasileiro. Trata-se da Lei Federal 6.938/81. Foi essa lei que elaborou o conceito legal de recursos ambientais, seguida de uma definição de degradação, criando ao mesmo tempo os instrumentos, administrativos e legais visando à organização do uso numa perspectiva de permitir seu aproveitamento, produzindo o menor impacto negativo possível.

.......Foi esta norma federal que trouxe ao ordenamento jurídico em primeira mão o entendimento consagrado sete anos depois no artigo 225 da Constituição, que a degradação ambiental em qualquer de suas formas, gera ao poluidor a obrigação de repará-la. Sendo acrescentado pelo dispositivo constitucional, que além da obrigação do poluidor reparar o dano, a garantia de um meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito de todos e todos devem contribuir para mantê-lo nessa condição.

.......Imbuídos deste espírito, em muito influenciado pelos debates que dez anos mais tarde, resultariam na realização da Conferência da ONU sobre meio ambiente desenvolvimento sustentável, mais conhecida como ECO-92. O legislador determinou por meio da Lei Federal 6.938/81 a obrigação de licenciar as atividades com potencial para causar algum tipo de degradação ambiental. E ao fazer isso, instituiu por meio da mesma norma os órgãos responsáveis pela elaboração das tipologias a serem seguidas assim como, definiu as competências e atribuições de cada órgão executor.

.......Se de um lado a ideia de criação do SISNAMA reforçou e ampliou os mecanismos de consolidação do ideário democrático em via de eclosão, pois nada mais justo do que no procedimento de licenciamento ouvir-se os afetados pela atividade, por outro lado, trouxe um grande problema, consubstanciado na perspectiva de conferir aos agentes do SISNAMA um poder de discricionariedade quase sem limite, ou pelo menos é nisso que acreditam alguns.

.......Assim nasce o SISNAMA – Sistema Nacional de Meio Ambiente formado de acordo com esta lei pelos seguintes órgãos: CONAMA – Conselho Nacional de Meio Ambiente; IBAMA – Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis e pelo MMA - Ministério do Meio Ambiente na área federal, incluindo nas esferas estaduais e municipais os órgãos com atribuições na área ambiental.

.......Ao criar essa estrutura normativa a Lei 6.938/81 atribuiu ao CONAMA a competência para editar as tipologias balizadoras dos procedimentos de licenciamento. Foi assim, que a resolução CONAMA 237/1997, trouxe ao ordenamento jurídico as regras que devem ser seguidas, ressaltamos, observadas e respeitadas por todos os agentes do SISNAMA, com atribuições em procedimentos de licenciamento ambiental. Infelizmente, a prática cotidiana mostra que quase sempre essas regras são ignoradas nos Estados e Municípios, que preferem editar suas próprias regras e diretrizes sobrepondo-se a norma federal e muitas vezes avançando sobre competências alheias.

.......O Licenciamento ambiental, em regra, deve seguir os procedimentos estabelecidos pelo CONAMA. Nesse caso, essa sistemática foi publicada como regulamento ao artigo 10 da Lei Federal 6938/81, no ano de 1997. Nesse regulamento, observa-se que o licenciamento ambiental nada mais é do que um procedimento, seguido de um ato administrativo que deve ser observado para justificar a autorização de atividades com algum potencial poluidor ou degradador dos recursos ambientais.

.......O procedimento estabelecido se divide em três fases, correspondendo cada uma delas a um tipo de licença, a saber: a) Licença Prévia; b) Licença de Instalação e c) Licença de Operação.

Licença Prévia - LP

.......A Licença Prévia é emitida após o órgão licenciador avaliar a concepção do projeto, os impactos que ele deve produzir e a capacidade de resiliência do meio, no caso de impactos negativos ou, ainda, na possibilidade de mitigação desses impactos.

.......Faz parte da instrução do requerimento de LP uma infinidade de autorizações, tais como: autorização do serviço de água e esgoto; Dispensa ou Outorga de Direito de Uso da Água e de lançamento de efluentes; Dispensa ou Parecer Técnico do Instituto do Patrimônio Histórico Nacional - IPHAN; Manifestação Técnica da Secretaria Municipal de Meio Ambiente – SMA, nos casos em que os entes municipais não podem eles próprios fazer o licenciamento; Manifestação Técnica de Gestor de APA (Instituto Chico Mendes, Fundação Florestal, dentre outros), informando que não se opõe à instalação do empreendimento naquele local; Parecer Técnico do IBAMA, no caso de empreendimentos em fronteiras estaduais quando a competência para licenciar for delegada a órgão estadual; comprovante de Cadastro e regularidade do Imóvel no IPTU ou no INCRA; Dispensa ou Parecer Técnico de Órgão da Marinha, Aeronáutica ou Exército, conforme o caso, se o empreendimento se localizar próximo a Portos, Aeroportos ou Aeródromos, os documentos de regularidade da empresa e, por fim, a famigerada Certidão de Diretrizes de Uso e Ocupação do Solo.

.......No momento de requerer a Licença Prévia, o empreendedor já é submetido a uma série de condicionantes. Aqui já se tem uma ideia da complexidade que acompanha um processo de licenciamento ambiental em mineração e também das oportunidades conferidas ao agente do SISNAMA para impor ao requerente mais ônus do que o previsto na tipologia de licenciamento editada pelo CONAMA. Cumpridos esses requisitos e aprovado a concepção do projeto, a LP finalmente é emitida e o empreendedor passa à fase de requerimento da Licença de Instalação.

Licença de Instalação - LI

.......A Licença de Instalação - LI é a autorização que indica as condições e as especificidades das instalações para o desenvolvimento do projeto. É também o documento exigido pela ANM para outorgar a Portaria de Lavra ou o Registro de Licença, de acordo com o regime escolhido pelo empreendedor. Nessa fase, o empreendedor coloca em prática o projeto que teve sua concepção aprovado na fase anterior. É nesse momento, que se faz a preparação do terreno, a abertura das frentes de lavra, instalação de equipamentos físicos, construção de oficinas e áreas administrativas, implantação de sistema de abastecimento (elétrico e a diesel), refeitórios, enfim, monta-se a unidade industrial. Terminadas as instalações e cumpridas as condicionantes, pode-se requerer a Licença de Operação, cuja solicitação passa por análise e vistoria feita pelo agente do órgão licenciador, se este entender que existe alguma discrepância com o projeto executivo, poderá solicitar ajustes e complementações, antes de fazer seu parecer sugerindo a outorga da Licença de Operação - LO.

Licença de Operação - LO

.......No momento de requerer a Licença de Operação- LO o empreendedor precisa ter em sua posse o título de lavra outorgado pela ANM, a outorga de uso de água, se for o caso, o parecer definitivo do IPHAN e o certificado de regularidade do IBAMA. Os demais pareceres relacionados em parágrafo precedente se prestam apenas à instrução do requerimento de LP.

.......A autorização para iniciar a operação de direito é a LO, sendo este o documento o mais importante para o empreendimento, pois é ele que de fato regula o início da atividade e atesta sua regularidade e licitude. A licença de operação deveria ser, em regra, a autorização que regulamenta o processo de produção, mas nem sempre os agentes do SISNAMA possuem esse entendimento.

.......E por que a questão levantada no fim do parágrafo anterior é relevante? Ora porque em regra, o agente licenciador exige do requerente, num procedimento de licenciamento, muito mais do que está previsto nas tipologias editadas pelo CONAMA. Mas para não nos alongar muito nesta discussão e não correr o risco de esgotar o assunto de uma futura abordagem, sem fazer os devidos esclarecimentos e fundamentações, o leitor está convidado a refletir sobre as seguintes questões.

.......1. Se a Licença Prévia – LP é a autorização que aprova a concepção e a localização do empreendimento ou atividade, por que o órgão ambiental exige novo licenciamento prévio, quando o empreendedor precisa fazer uma ampliação de seu empreendimento por menor que seja?

.......2. Se a certidão de Diretrizes de Uso e Ocupação do Solo, exigida em procedimento de Licenciamento, é um documento que tem a única finalidade de informar se a atividade pode ou não se instalar naquele local. Por que geralmente é exigido do requerente que apresente no município, praticamente um projeto de licenciamento mesmo quando o município como agente do SISNAMA não é órgão competente para fazer o licenciamento?

.......3. Por que os agentes do SISNAMA nos Estados e Municípios editam normas que ou se sobrepõe as regras estabelecidas pelo CONAMA em inúmeras situações ou ultrapassam os limites de suas competências, essas estabelecidas em norma Federal e na própria Constituição Federal?

.......4. Até quando a organização do setor produtivo neste segmento poderá permanecer inerte no sentido de que essas questões vêm a cada momento esterilizando significativos jazimentos de minério, diminuído as opções de ampliação dos empreendimentos e restringindo o direito de desenvolvimento da atividade extrativa, que como todos sabem, possui status legal de interesse social e de utilidade pública?