Por Daniel Debiazzi Neto -Setembro, 2021

Normas de explosivos e pragmatismo técnico

.......A cada ano milhões de toneladas de rochas de diferentes tipos são fragmentadas em milhares de operações de detonação, na abertura de túneis que encurtam distâncias e de escavações para diferentes finalidades com uso de explosivos e seus acessórios, reconhecidamente notáveis ferramentas da Engenharia. Ao longo dos dois últimos séculos eles têm dado contribuições efetivas para o desenvolvimento humano, a partir de seu uso não bélico. A liberação de energia no processo de detonação, feita em grande quantidade e em milésimos de segundos, é realizada com domínio técnico e calculado, vindo promover de forma eficaz e segura as remoções das rochas que, uma vez processadas, permitem a utilização de uma gama imensa de produtos minerais. Na infraestrutura e na construção civil viabilizam as mais complexas obras de Engenharia, cumprindo um papel indispensável na escalada civilizatória humana.

.......Não obstante a reconhecida segurança no manuseio e aplicação dos explosivos e acessórios hoje utilizados nessas atividades, são ferramentas que exigem acuidade técnica e extremo zelo na observação de procedimentos de segurança. Descuidos ou falhas no seu manuseio, guarda ou utilização inevitavelmente resultam em graves consequências, uma delas cobradas em vidas humanas, como a de acontecimentos mais recente.

.......Na indústria mineral, empregado de forma rotineira no estágio inicial de aproveitamento dos recursos minerais, os acidentes são raros, até pela extrema importância e cuidados conferidos tanto pelos fabricantes fornecedores quanto pelas equipes técnicas das empresas. No entanto agora, em menos de dois anos, três acidentes graves com explosivos são noticiados, com características comuns de envolvimentos de profissionais preparados, em tese, para as operações que estavam desenvolvendo, surpreenderam todos aqueles que estão envolvidos profissionalmente com as atividades que utilizam explosivos. Dois desses acidentes estavam atrelados à destruição de explosivos, o primeiro deles resultando na morte de uma Engenheira de Minas e o segundo, no Rio Grande do Sul, com três vítimas fatais, incluindo dois militares do Serviço de Fiscalização de Produtos Controlados – SFPC e ainda um funcionário da pedreira onde se realizava a operação. O terceiro acidente, no Mato Grosso, em agosto passado, ceifou duas vidas, uma delas de uma jovem estudante de Engenharia de Minas, em situação não bem esclarecida até o presente momento.

.......Exclusões feitas do acaso, da pregação de que acidentes acontecem e probabilisticamente possuem incidência até quantificável de ocorrências referenciadas ao número de operações, tipo de aplicação ou de outra variável qualquer, os fatos nos levam à reflexão de que há algo de errado na execução dessas operações, uma vez que se deram em situações nas quais haveria um pressuposto preparo técnico das vítimas. Na busca da origem do erro, é possível vislumbrar no texto escrito pelo Eng. Enrique Munaretti nesta edição, de que há um hiato a preencher nas normas técnicas e legislação vigentes, uma vez que delas não constam instruções específicas e claras para a destruição dos denominados PCE – Produtos Controlados pelo Exército.

.......As melhores referências técnicas sobre o assunto indicavam, ainda no antigo R-105 (Regulamento de Produtos Controlados), não mais em vigor - e que trazia um capítulo voltado para esse tema - que a destruição de explosivos deveria ser feita por detonação (risco maior, além de efeitos indesejáveis de pressão acústica e vibração), combustão (mais indicada e que exige procedimento adequado) e por conversão química (que só pode ser feita pelos fabricantes ou empresas especializadas). Nos acidentes da Bahia e Rio Grande do Sul o que chama a atenção é que, nas detonações feitas, aparentemente uma desatenção levou à mistura de classes diferentes de explosivos, um erro primário, vital e fatal.

.......A legislação atualmente vigente traz muitas disposições sobre a segurança de explosivos, lato sensu. Nas Portarias n°147/2019 e n° 57/2017 – COLOG, o vocábulo “segurança” é citado mais de cem vezes, porém sempre correlacionada a roubos e furtos, áreas de detonação, transporte dos produtos, preservação do patrimônio e outros, nenhuma vez aos procedimentos de segurança para destruição de explosivos. Essa referência assume importância ainda maior quando é fato que os paióis de explosivos estão sendo progressivamente desativados, também por motivo de segurança (de outra espécie) e o “custo escolta” para devoluções de quantidades não relevantes de explosivos passa a ser um ônus a mais na operação.

.......Nessa situação, muitas vezes corriqueira nas minerações, sobras de explosivos precisam ser destruídas e a orientação clara em norma é uma referência imprescindível para conferir segurança na operação, hoje não encontrada na NR-19 (Portaria n°228 de 27.05.2011) e nem em qualquer outro dispositivo legal emanado das autoridades competentes. A lacuna técnico-legal atual precisa ser preenchida e os profissionais envolvidos também não podem prescindir de maior treinamento específico, fatos que estão além da simples constatação feita usualmente por conselhos profissionais de Engenharia, que se limitam a constatar – protocolar e burocraticamente - da existência de registros e cadastros, atos absolutamente ineficazes e incapazes de impedir novas fatalidades.